Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

terça-feira, abril 17, 2007

Pintura de Hélio Rôla

ENIGMA DO SOL

As tuas lágrimas me acariciam: um dilúvio atávico.
Em nada resulta consultar a folha de infortúnios.
Temos uma ilusão objetiva da existência
e não aprendemos nunca com nossos acertos.
Tu és a semelhança do que cobiças.
Eu te ofertei o meu abandono.
Me deste uma lâmpada viciada em espelhos.
Não vês diferença alguma entre perda e sacrifício.
Deixo a minha roupa à entrada de tua casa.
Tu me recebes nu e nada ali se parece contigo.
Não sei quando volto, mas estou certa do engano:
não andas em mim por onde me reconheço.

Floriano Martins
direção: floriano martins & claudio willer

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