Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quarta-feira, agosto 22, 2007

Foto: Márcio Lima

Depois que Galeno d'Avelírio
morreu
o pé de abacate que tinha
conformação
de extraordinário cessou.
O sapoti, o relógio antigo
desmoronou - maquinismo inocente -
das ressonâncias espirituais.
As flores e o forro
a casa nº522 na Praça da Matriz.
O pé de chuchu aniquilou-se
entre uma lâmina
de acaso
a cerejeira ou o Teorema
de Pasolini,
a erva de passarinho a possuiu,
carnalmente.
Hoje,
a poesia do visionário
persegue libélulas
que pousam em minhas armadilhas
coando a transparência
das manhãs de minha cidade.

Nelson Magalhães Filho

5 comentários:

Samantha Abreu disse...

Muito Bom!
Muito Bom!

Ruela disse...

cool e a foto também!
:)

sandro so disse...

"Vésperas vigiadas, "Mariela" e esse "Depois que Galeno d'Avelírio" me parecem poemas diferentes, principalmente este último, do que vc costuma escrever. Gostei muito desse último. As fotos do Márcio Lima, esta última, então, são massa também!

Anônimo disse...

salve big nelson! beleza de poema. forte abraço

Anônimo disse...

Valeu Jorge Mendes.
Sandro Ornellas: estou republicando estes poemas, pois muita gente não olha os arquivos antigos. De vez em quando vou postar outros.