Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quinta-feira, abril 23, 2009

nesta sexta
GRAÇA RAMOS
Híbridos de matéria e luz
Galeria do Conselho



AS OBRAS DE ARTE DE GRAÇA RAMOS
De uma obra de arte espera-se que ela dialogue com a essência interior do mundo. A professora da Universidade Doutora Maria das Graças Moreira Ramos, entende retratar os enigmas do mundo com metáforas impressionantes. Suas obras mostram a vulnerabilidade da existência humana. As telas dessa artista são cortadas e re-costuradas. Através das cores e configurações alcançam uma dimensão totalmente diferente. A existência do ser humano, seu mundo, está contida nestas obras de artes, revelando um potencial de dissolução, fragilidade e segurança enganosa.Os cortes nas telas são códigos secretos de Graça Ramos. Eles transmitem quebraduras e rachaduras de um mundo oco e induzido, no qual o ser humano não consegue achar nenhuma segurança verdadeira. Nada está em pé, firme. Mas, numa filosofia existencial apocalíptica da artista, também existe esperança porque ela ilumina os cenários. Luz aparece através das feridas das telas. Uma luz cheia de calor e cores. Liberando o ser humano da dor e da solidão, liberando-o do seu desespero, da consciência da sua frágil existência. A forma na qual a artista apresenta seus trabalhos é profundamente verdadeira, pois não argumenta, não sugere especulativamente e não moraliza com o dedo erigido.No mundo do ser humano a luz é símbolo de revelação e os cortes são símbolos para todos os sentimentos que afrontam. Na sua correlação maravilhosa, contendo a genialidade da “coincidentia oppositorum”, os dois formam uma profunda sabedoria da filosofia mundial.Quem alcança tal profunda sabedoria, conseguindo transformar-la em uma obra de arte, mostra a verdade, portanto, nenhuma obra de arte poderia dizer mais além disso.

Carl Michael Hofbauer Santos de Almeida
Professor, escritor e historiador


GRAÇA RAMOS: ARTISTA DA LUZ
A luz, elemento vital, fogo que acende a vida e cancela a noite revestindo a matéria de poesia. Nos séculos símbolo de espiritualidade, vida, verdade e beleza, a mesma vida que envolveu Rubens na sua passagem pela Itália nos cromatismo dos artistas venezianos e no “ luminismo “ de Caravaggio que revestia as suas formas de luz e cromatismo vibrante e que dava a matéria aquela anima real revitalizando o “ 600 “ napoletano. Aquela luz que fez vibrar Monet, percebendo a sua ação na catedral de Notre Dame de Paris nos quatros momentos do dias, deslumbrando a ação do maior artista do mundo, “A Luz”.Aquela caricia poética, que todo dia, pontualmente, beija a matéria, tingindo-a de mil cores, transformando-a docemente, estimulando a Monet, espírito fruidor do belo, a mesclar a matéria cromática, para imitar e deixar na tela os próprios sentimentos, como Mario Merz, autor contemporâneo que com os neons coloridos, colocou a luz como meio introspectivo e testemunho da contemporaneidade.Graça Ramos, artista vital, vibrante, que mescla as cores como nota colorida, criando sinfonias cromáticas que penetram na pele, instigando aquela vida introspectiva que, num momento de exaltação criativa, a conduz misturar materiais de forma tecnicamente híbrida, aparentemente contrastante, inserindo o elemento vital, a luz, nas vísceras da ópera, ascendendo violentamente as formas, catalisando e superando a matéria, transformando-a em energia poética pura, dando força tumultuosa em uma expressão direta. Transforma como mágica, materiais recicláveis antiestéticos em beleza pura, em um equilíbrio de meios expressivos típico de quem possui uma forte personalidade, dom muito raro das pessoas criativas que descreve o próprio tempo filtrado dos sentimentos pessoais, essência vital para ser colocada como testemunho na história da humanidade.


Dr. M° Giuliano OTTAVIANI
Pittore-Scultore-Orafo

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