Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

segunda-feira, julho 19, 2010

DOLLS ANGELS - vídeoarte de Nelson Magalhães F. selecionado na X Bienal do Recôncavo









Neste vídeoarte com duração de 5 min e captado em HD, são questionadas as sutis relações
entre a infância e a perversidade. O artista produz uma série de imagens em movimentos,
apresentando um boneco sendo maltratado por um suposto afogamento, com a intenção
de provocar um sofrimento ou um sorriso irônico no espectador. O boneco, que é um
objeto de afeto e recordações, está submergido numa antiga lavanderia de quintal,
simbolizando um oceano misterioso ou até mesmo um útero materno desconhecido. Seus
olhos são estranhos, bolhas, pétalas diáfanas e arroxeadas cobrem parte de seu rosto. O
vídeo assemelha-se a uma composição pictórica, onde as cores remetem às telas do
próprio artista na série dos Anjos Baldios, que segundo a professora Alejandra Hernández
Muñhoz “não é uma produção ilusória premeditada, fake de imaginário fantástico destinado
ao escapismo dessa nossa atualidade permeada de simulacros, mas uma arqueologia
do surreal que visa re etir sobre a essência de uma humanidade desencantada”. É, portanto,
um desdobramento de sua pintura. O artista então faz uma reflexão sobre a violência
criando assim a sua poética do perverso-devaneio, sugerindo uma provocação ao recolocar
um símbolo da infância num contexto marginal. Como diz o vídeo-artista Yang Fudong
(n. 1971, China), “a violência e a morte são os lugares onde a vida começa”.

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